DO TERRITÓRIO À DESTERRITORIALIZAÇÃO: O CASO DOS ATINGIDOS
PELA BARRAGEM DE ANAGÉ (BA)
Gabriela Silveira Rocha
Universidade Estadual Federal de Sergipe
gabriellasrocha@yahoo.com.br
José Eloízio da Costa
Universidade Estadual Federal de Sergipe
eloizio@ufs.br
INTRODUÇÃO
A política pública dos Recursos Hídricos do Brasil e de aproveitamento dos Recursos
Humanos direciona suas ações basicamente a dois tipos de finalidade: o abastecimento
público e a redução dos efeitos de escassez de água destinada à produção agrícola.
È essa a finalidade do grande número de barragens construídas no País. De acordo
com os reclames dos movimentos populares, a despeito do Movimento dos Atingidos por
Barragens (MBA) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as
barragens alteram significativamente o modus vivendi da população em seu entorno.
Alteração essa provocada a partir do processo de construção com a respectiva mobilização
(desterritorialização) da população local e pela nova demanda para atividades econômicas
(reterritorialização) no espaço artificialmente valorizado no entorno da barragem.
Concomitantemente, com o aparecimento de novas dinâmicas de circulação e produção
gerada pela instalação do lago artificial, se desencadeia o processo de desapropriação e
apropriação, pública e privada, do novo espaço produtivo. A construção de barragens
tende a romper a organização espacial de seu povo com sua região e seu território. Este
rompimento ocorre com a construção da barragem quando os habitantes locais passam a se
relacionar com outros territórios impostos por essa dinâmica. Com a instalação da barragem
as atividades econômicas, a vida social e as demais relações das populações remanescentes
locais se alteram no confronto com o novo e desconhecido ambiente artificialmente
produzido, enquanto que as populações desterritorializadas vão sofrer alterações em seus
novos espaços para os quais foram remanejadas.
Esse também é o contexto do estudo de caso da Barragem de Anagé. A pesquisa
aqui apresentada encontra se em andamento, iniciou-se a busca de dados primários e
secundários e esta sendo aplicados os questionários de pesquisa.
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A Barragem de Anagé foi construída no Rio Gavião, na região Vitória da Conquista.
O Rio Gavião é considerado o maior rio temporário da Bahia. A instalação da Barragem de
Anagé, projeto do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), ocorreu
entre 1987 a 1989. Partindo-se da análise dos impactos sócio-ambientais provocados pela
construção da barragem no Rio Gavião e do processo de intervenção do Estado, pretende-se
analisar territorialização e a desterritorialização local, correspondente entre o marco da
década de 1980 até os dias atuais.
Analisar o espaço geográfico do entorno da Barragem de Anagé inter-relacionando
sociedade e natureza de forma contextualizada, no tempo e no espaço, por meio de análise
retrospectiva e atual da sociedade e do espaço locais. Nesse contexto será retomada a
discussão envolvendo o meio natural e o espaço vivido onde ocorre toda a dinâmica da ação
humana. Corrêa (2006, p. 26) servindo-se dos pensamentos de Lefèbvre em sua análise
sobre o espaço geográfico vê o “espaço como sendo lócus da reprodução das relações
sociais de produção, isto é, reprodução da sociedade”. No entanto a produção social do
espaço só poder ser entendida segundo Santos (1997) a partir da formação-espacial e da
formação-econômica, na qual os processos do modo de produção se materializam em uma
base territorial espacial na forma de estrutura, função, forma e processos.
O território é constituído e caracterizado por possuir características próprias capazes
de delimitar sua forma como fração de uma totalidade. Nessa delimitação que o ser humano,
por meio do trabalho, da habitação e das relações de produção com o seu lugar, estabelecem
diferentes vínculos. Na busca do entendimento desse fragmento, o território passa a ser
pensado como um espaço humanizado, assim como a região que também é humanizada pela
organização social com todas as suas manifestações que vão se materializando e se
perpetuando nesse tipo de delimitação territorial.
Assim a Geografia analisa os objetos que revelem um conjunto de características,
sendo essas, para cada momento histórico, permitindo a partir do presente entender a sua
utilização passada, atual ou até mesmo prever futuras intervenções socioespaciais.
Afim de, buscar entender o território pela existência dos objetos pressupõe pensar
num espaço que se constrói, destrói e reconstrói. A própria noção de desterritorialização se
constitui no espaço dos objetos. A cada momento diferentes tipos de representações
materializam, organizam e reorganizam no espaço, como sendo fruto de ações, sejam elas de
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produção econômicas, culturais, tecnológicas e até mesmo religiosas. Tais ações levaram a
Geografia a pensar em territórios que se constroem e se desconstroem a partir da dinâmica
social do trabalho e das relações de produções e circulação do capital. Pensar em destruição
e criação de um território com sendo a desterritorialização e a reterritorialização.
O entendimento desses processos se articulam, uma vez que, o território não é fixo. A
desterritorialização acompanha a problemática do território com suas fronteiras, que podem
ser: fronteiras estatais, na qual o território é político, a hibridização cultural, que remete o
território simbólico e entre outros. Conforme altera a concepção do território, a
desterritorialização do mesmo se redefine.
Para entender a desterritorialização é compreender que “o espaço- ou o território –
não desaparece, mas muda de “localização”, ou melhor, adquire novo sentido relacional.”
(HAESBAERT 2006, p.156). Para explicitar o processo de desterritorialização:
È importante enfatizar que a desterritorialização não é um processo
linear, de mão única, mas um processo caracterizado pela própria
globalização. Onde existe desterritorialização há também
reterritorialização. Desterritorialização é uma condição ambígua que
combina benefícios e custos com várias tentativas de restabelecer.
Assim, a desterritorialização não pode significar o fim da localidade,
mas sua transformação em um espaço. (HAESBAERT apud
TOMLINSON 2006, p. 148-149).
Nesse sentido, conduzir os conhecimentos da região e do território pela
complexidade do pensamento e do comportamento humano retoma a idéia de Santos
quando diz que “cada momento histórico cada elemento muda o seu papel e a sua posição
no sistema temporal e no sistema espacial” e, a cada momento, o valor de cada qual deve ser
tomado da sua relação com os demais elementos e com o todo. (SANTOS, 1997, p. 9).
Sabendo que o desterritorialização é um processo de “transformação”, logo essa
“transformação” se materializa em algo “novo” que é reterritorializado. Assim, o primeiro se
desterritorializa para em seguida reterritorializar. A reterritorialização é uma nova projeção do
território, que foi influenciado por dinâmicas/agentes de caráter variado.
Ë relevante a discussão de como ocorre a desterritorialização e reterritorialização.
Inicialmente o território em sua base material ou natural é apropriado por grupo social,
que passa a manter uma relação de apropriação e dominação com esse território, essa
relação resulta na construção do território, esse domínio pode assumir características
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econômicas, políticas e culturais, assim, o território admite características múltiplas e
integradoras mediadas por relações de poder.
Outro detalhe para entender a desterritorialização está no movimento que determina
múltiplas materialidades e imaterialidades do território, sendo o movimento inerente ao
território, podendo ser entendido como resultado das territorialidades humanas, das relações
de poder (econômica, política, cultural) que determinam a vida social, essas territorialidades
geram movimentos de transformação entre o velho e novo. Como aponta Saquet:
O velho é criado no novo, num movimento concomitante de
descontinuidade e descontinuidade, de superações. A continuidade se
dá na mudança e na própria descontinuidade, que contém, em si,
elementos do momento e da totalidade anteriores. Com isso, o velho
não é suprimido, eliminado, mas superado, permanecendo,
parcialmente no novo. É um processo inerente ao movimento universal
e à dinâmica territorial, histórica e geográfica (SAQUET, 2007, p.161).
A dinâmica do grupo social estabelece no território um movimento de abandono
(saída/fuga) e um movimento de criação (reconstrução), então se pode concluir que a
desterritorialização (o velho) é a primeira condição assumindo um caráter destruidor, e a
reterritorialização (o novo) segunda condição um caráter construtor, a reconstrução do novo,
esses processos ocorrem simultaneamente logo que o território se desterritorializa ele começa
a se reterritorializar.
Os elementos principais da territorialização também estão presentes
na desterritorialização: há perda, mas há reconstrução da identidade;
mudanças nas relações de poder, de vizinhança, de amigos, de novas
formas de relações sociais, de elementos culturais, que são
reterritorializados; há redes de circulação e comunicação, que
substantivam a desterritorialização, o movimento, a mobilidade. (...) os
processos de territorialização, desterritorialização, re territorialização
estão ligados, completam-se incessantemente e, por isso, também
estão em unidade. (SAQUET 2007, p.163)
O processo de produção do território se faz na construção ou destruição do território.
No entanto, é necessário esclarecer que a desterritorialização não significa a extinção ou fim
do território. O que ocorre na realidade é que o território “antigo” após um agenciamento seja
de um grupo social, de uma empresa, ou até mesmo o Estado ganha uma nova função e
conseqüentemente uma nova forma. A partir daí, o território “novo” ou reterritorializado
assume uma nova dinâmica, inserindo ou não os agentes sociais que pré existiam no processo
de (re)produção do território, quando a territorialidade desses agentes ou o conjunto de
prática desses grupos que garantem a apropriação e permanência nesse território não
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funcionam, como afirma Corrêa (2002), eles ficam “sem uma nova territorialidade” estando
excluso do processo social, tornando-se um enorme contingente de migrantes.
A desterritorialidade desses agentes que sofre com um processo desterritorializador é
excludente, podendo ser atenuada pela reterritorialização antecipada, quando é feito um
planejamento e antecipação espacial, um novo sentido é atribuído a antiga territorialidade
desses agentes, um exemplo claro disso estar no uso racional do território, aqui entendida
como a substituição de atividades primárias (de caráter rudimentar) por forma mais complexa.
Assim:
Desterritorialidade é entendida como perda do território apropriado e
vivido em razão de diferentes processos derivados de contradições
capazes de desfazerem o território. Novas territorialidades ou
re-territorialidades por sua vez, dizem respeito à criação de novos
territórios, seja através de reconstrução espacial, in situ, de velhos
territórios, seja por meio de recriação parcial, em outros lugares, de um
território novo que contém, entretanto, parcela das características do
velho território: neste caso os deslocamentos espaciais como as
migrações, constituem a trajetória que possibilita o abandono no velho
território para o novo. (CORRÊA, 2002, p. 252)
No entanto, no processo de desterritorialização a dimensão política deve ser
associada à dimensão econômica, visto que o domínio e apropriação do espaço promovido
pelo dinamismo capitalista vêm promovendo rupturas danosas em prol da “moderna”
economia globalizada, que, para obter o máximo de excedente, desestrutura o cotidiano,
aceleram os processos de uniformização da paisagem com a produção de monoculturas,
desterritorializa uma população destruindo suas relações sociais, promovendo o rompimento
da identidade e vem destruindo formas de organização social, além da perca da
biodiversidade biológica.
O espaço capitalista contemporâneo aparece como reflexo do desenvolvimento
desigual e combinado, tendo como substrato material a evolução técnico-científica
informacional, promovendo a rápida (re)criação e (des)aparecimento dos territórios,
tornando-os aglomerações de exclusão, “assim a lógica global tende a desenraizar as coisas,
as gentes e as idéias”. Haesbaert (2005). A busca do entendimento da territorialização e
desterritorialização perpassa sobre o rebatimento do processo de globalização na sociedade
atual, em que as relações sociais são deslocadas do contexto territoriais favorecendo uma
organização racional da vida humana.
OBJETIVO
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Estudar a dinâmica sócio-espacial da barragem de Anagé implica em ir além do
entendimento de que a barragem foi criada com a finalidade de abastecimento público e de
redução dos efeitos de escassez de água para as populações locais. Tal estudo deve analisar
o modo de vida da população, bem como, entender o papel e a função da barragem para a
região. Pensando nessa relação homem e meio, representada pela população dos municípios
locais e a barragem, para se compreender a interação do homem nordestino com o seu meio,
as análises dessas questões se pautam fundamentalmente nas práticas sociais. Segundo
Corrêa (2006, p. 35) as práticas sociais “[...] são meios efetivos através dos quais objetiva-se
a gestão do território, isto é, a administração e o controle da organização espacial em sua
existência e reprodução”.
Por isso, elementos como a seletividade espacial, fragmentação-remembramento
espacial, antecipação espacial, marginalização espacial e reprodução da região produtora
serão usadas para se analisar a fragmentação dos municípios inseridos na região, para se
compreender a formação dos novos bairros, o planejamento e a implantação de novas
estruturas físicas ligada ao comércio, o aparecimento de novas atividades econômicas e a
falência de atividades antigas como é o caso do algodão produzido na região e o incentivo e o
aparecimento do turismo, justificado pela inter-relação com a rede urbana do sudoeste.
A pesquisa tem a proposta de trabalhar o conceito de território como espaço usado
pela integração e mobilidade, ou seja, o território entendido como um campo de força que
liga a produção espacial, o espaço de produção e circulação, as relações em redes, os
territórios contínuos e descontínuos envolvendo toda organização espacial da área a ser
estudada, conforme a análise de Souza (2006, p. 86): “[...] o território será um campo de
força, uma teia ou rede de relações sociais que, a par de sua complexidade interna, define ao
mesmo tempo um limite, uma alteridade”. Como limite e alteridade são componentes da
mobilidade do/no território, a análise conceitual de ambos implicará em prévia exposição da
categoria territorialidade, fundamental para se compreender a mobilidade do território e a
territorialização e a desterritorialização nos municípios de Anagé e Caraíbas. Acresce-se,
ainda, que para se conceber a noção das categorias região e território devem-se, por meio de
observação detalhada da realidade de uma sociedade com seu espaço e seus elementos,
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entender a questão do desenvolvimento, a representação de valores próprios de cada povo, a
forma de se organizar social e economicamente.
O que se presume, então, é que é relevante se estudar a territorialização,
desterritorialização e a reterritorialização baseada na organização espacial, na mobilidade da
população local, na utilização do espaço da barragem, na apropriação e desapropriação
pública e privada do novo espaço produtivo feito pelo Estado com a instalação da barragem,
o aparecimento de novas dinâmicas de circulação e produção gerada pela instalação do lago
artificial, conforme se propõe nessa pesquisa. Assim sendo, a partir da organização espacial
da região proposta como estudo de caso, pode-se evidenciar como o capital e o Estado –
este manifestado no reflexo social (estrutura, processo, função e forma) – não devem
prescindir nas análises geográficas.
METODOLOGIA
Para o desenvolvimento da pesquisa será utilizado inicialmente uma rigorosa revisão
bibliográfica do tema, e também do uso de documentos e registro da construção da
barragem, bem como trabalhos de produção científica e perfil socioeconômico da região
sudoeste; em seguida será realizada a pesquisa de com observações diretas e indiretas: coleta
de dados em órgãos e entidades públicas, estaduais e municipais, como o IBGE, INCRA,
Secretarias de Agricultura e Planejamento das Prefeituras de Anagé e Caraíba. A pesquisa
direta será operacionalizada por amostragem aleatória com aplicações de questionários e
entrevistas semi-estruturadas envolvendo atores sociais coletivos e institucionais, população
local, agentes públicos, sindicalistas e proprietários de terras do entorno da Barragem de
Anagé. A última etapa compreenderá a compilação de dados, tabulação, geração de gráficos,
tabelas e mapas, digitação e edição de fotos sistematização dos dados.
RESULTADOS PRELIMINARES
A investigação acerca do atual processo de organização e uso das terras do entorno
da Barragem de Anagé, pressupõe um desvendar de situações que poderão proporcionar
melhor compreensão sobre a problemática que envolve os atingidos por barragens com sua
mobilidade espacial a especulação da apropriação destinada ao novo uso do território
implicando na intervenção de movimentos sociais a partir do MAB, e a valorização do espaço
e da renda fundiária, os diferentes tipos de apropriação e uso do território e as implicações
socioambientais.
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Ao final desta pesquisa, será possível caracterizar o tipo de ocupação espacial e a atividade
produtiva desenvolvida região, podendo ainda analisar a atuação do Estado na gestão do
território e os fatores que influenciam na territorialização e desterritorialização do território em
estudo
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